Revista STRING 14

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Psiquiatra noturno

– Sim, a história provavelmente começou durante o período de amamentação. Minha mãe não tinha leite suficiente e, quando ela percebeu isso e contratou uma ama de leite, eu estava esmagando seus seios com o desespero da fome. Claro, o líquido que chegou até minha boca era uma mistura de leite e sangue, mais sangue que leite... Aquelas lembranças da minha infância distante, quando, depois de sentir aquele terror indescritível da fome, tive a extraordinária sensação de saciedade.. .eu me sinto cada vez mais forte, principalmente em momentos de estresse... sinto necessidade de sangue quente, que te dá força....

O conde continuou a contar as suas recordações de um passado muito distante, e eu apenas o escutei pela metade, deixando-me, por sua vez, ser dominado pelas lembranças... Dos bons tempos da juventude, dos anos de faculdade e doutorado. ... Depois disso, seguiram-se tempos menos agradáveis, sem emprego e sem clientela... Quando Archibald Schnopsfreund me disponibilizou o seu escritório, à noite, não estava claro para mim se deveria agradecê-lo ou aplaudi-lo. Onde está a clientela naquele momento? Mas não tive escolha, foi a única oportunidade que me foi dada. Imediatamente coloquei uma placa idiota na entrada: PSIQUIATRA DISPONÍVEL DURANTE A NOITE, RESOLVEMOS QUALQUER TIPO DE EMERGÊNCIA. E eu esperei. Nos primeiros dias (ou seja, noites) dormi no sofá do Archibald, depois apareceu um cliente… seguido de outros. O jardim de Deus é grande, e um psiquiatra sempre encontra alguém que precisa dele...

Acordei dos meus pensamentos, percebendo que meu paciente havia ficado em silêncio. Eu disse, com voz meditativa:

- Sim, sim... Parece que a sociedade moderna, muito hostil, produz uma regressão à fase oral... Não se trata apenas do sangue, mas da ação sugestiva... Curiosamente, por motivos que descobriremos mais tarde, você evita a fase anal, que causa tanta repulsa que você recusa alimentos sólidos, o que envolveria defecação... Continuaremos a análise, tentaremos detectar quando ocorreu essa mudança de personalidade. Na verdade, não é o momento em si que nos interessa, mas aquilo que produziu o refúgio no período seguro e agradável da infância…. Da próxima vez, se você concordar, tentarei hipnotizá-lo e extrair do seu subconsciente aquilo que o consciente se recusa a aceitar... Por hoje acho que é o suficiente.

O conde levantou-se do sofá, jogou sobre os ombros a sua larga capa de seda preta com forro vermelho e, com um gesto discreto, colocou sobre a minha secretária uma folha de moedas de ouro. Muito generoso, meu cliente. No primeiro encontro ele me pagou com uma safira enorme, incrustada em platina. Depois disso, ora uma gema, ora moedas de ouro...coisas que valorizavam muito mais como obra e como valor antigo, do que pela quantidade de metal precioso. Eu lhe dissera em vão que ele pagava suas reuniões há anos, ele continuava me deixando, quase sem perceber, o que considerava ser o que eu merecia de um grande veterano...

Levei-o até a saída dos fundos, porque Archibald havia montado seu consultório como deveria ser um consultório de verdade, para que os pacientes não se encontrassem.

- Então, até depois de amanhã, conde. Às duas da manhã.

Ele assentiu e me deu um sorriso gentil e encantador, mostrando seus incisivos longos e afiados. Depois disso, ele saiu noite adentro, batendo a capa como se fossem asas enormes.

Suspirei, pensando que normalmente tal cliente deveria ter me enchido de pavor. Mas eu me acostumei. O único inconveniente era que eu não poderia contratar uma enfermeira, embora pudesse pagar uma agora, pois havia me dado ao luxo de comprar o consultório de Archibald...

Fui e abri a porta da sala de espera. O paciente entrou correndo e deitou-se no sofá de couro preto. Ele mostrou sua língua grande e vermelha para mim e começou a contar.

– Da última vez, doutor, contei-lhe sobre o momento em que senti pela primeira vez o efeito da lua.

– Muito interessante, Sr. McGregor, mas o efeito da lua, a sensação de voar e todo o resto são manifestações normais da puberdade, sinais óbvios do despertar da masculinidade. Esse não é o seu problema. Gostaria de falar um pouco sobre o que antecedeu a sua primeira crise. Vamos voltar ao passado. Seja gentil e olhe atentamente para o meu relógio!

Peguei o relógio antigo da mesa e segurei-o pela corrente, balançando-o diante dos olhos arregalados do Sr. McGregor. Ele logo entrou em transe hipnótico. Então eu disse a ele:

- Estamos no momento da primeira crise. O que você vê?

O paciente se remexe no sofá:

– Um homem num caminho na floresta... Um caçador furtivo. Ele não me vê, segura uma corda em uma mão e um coelho na outra. Estou dominado pela raiva. Com que direito ele me rouba? Corro até ele. Ele se vira, me vê, começa a gritar, desesperado, e seus gritos me irritam ainda mais….

- Suficiente. Vamos um dia mais longe no passado. Você vê alguma coisa?

- Nada de interessante... Estou com minha família na mesa, no jardim... Como com a mão esquerda. É difícil para mim, quase sempre o pedaço cai do meu garfo. Os outros riem de mim, fico com raiva, mas não deixo nada transparecer, guardo tudo para mim...

– Por que você come com a mão esquerda?

– O da direita está enfaixado.

- Por que motivo?

- Não sei...

- Bom. Vamos um dia mais longe. A mão ainda está enfaixada?

- Sim.

- Então vamos ver o que aconteceu no dia anterior.

- Estou na floresta, perto da mansão. Ando sem medo. Dougal, o guarda, está alguns metros atrás de mim. Ouço um farfalhar nos arbustos. Viro-me e vejo uma fera monstruosa, um lobo enorme, correndo em minha direção. Eu tiro as bolas da boca dele. Deus, ele está louco! Não! Não!

O paciente acorda de repente. Ele tremia de terror. Consigo acalmá-lo com dificuldade depois de administrar um sedativo.

– Parece que estamos nos aproximando do momento da explicação. O pânico produzido pelo ataque da fera contribuiu seriamente para a crise. Ocorreu uma transferência de personalidade. Parece que, além do medo, você ficou impressionado com o poder do animal, passou a querer tal poder, para se vingar de quem zombava de você. Você se identifica com o lobo, você age como ele. Por enquanto, é um palpite. Ainda temos trabalho a fazer. Se fôssemos usar Jung, eu diria que você mergulhou no subconsciente coletivo e apelou para mitos e clichês fundamentais…

McGregor levantou-se do sofá.

– Então, semana que vem, sim? Ao mesmo tempo?

- Está perfeito, respondi, anotando em minha agenda.

Ela deixou cair uma bolsa no tapete, que havia pendurado no pescoço, e se dirigiu para a porta dos fundos. Abri para ele, depois de cobrar a taxa de baixo. Eu sabia que estava cheio de contas, como sempre. Mais um cliente sério e lucrativo…

- Adeus, doutor, ele me disse, abanando o rabo.

Não precisei convidar o próximo paciente. Ele já havia entrado no escritório e se acomodado no sofá, espalhando uma luz esverdeada.

- Boa noite, senhora Theodopoulos, cumprimentei-a educadamente.

Ele sorriu para mim com tristeza.

– Não consigo encontrar a paz, doutor. Estou muito agitado e fico vagando até de manhã. E quando durmo, durante o dia, o mesmo pesadelo me assombra.

– Aquela em que o marido te segura debaixo d'água e você se afoga.

– Exato.

– Cara Senhora, o seu caso é, como já expliquei, muito simples e muito complicado. Conhecemos a causa, conhecemos os efeitos, conhecemos a terapia. Só temos que ser pacientes. O momento em que você foi morta lhe deu uma sensação muito complexa de pânico impotente, misturado com frustração, desejo de vingança... Em primeiro lugar, você não conseguia acreditar que o marido que você tanto amava estava em estado de tal gesto . Os sentimentos eram tão fortes que não desapareceram com a morte física. Mas negue a sua própria parte da culpa, o fato de você ter sido cego por tanto tempo e ter visto apenas o que lhe convinha. Já se passou tanto tempo desde os acontecimentos que você deveria ter esquecido tudo. Você se vingou, a justiça foi feita. Mas você não pode perdoar sua cegueira, tente se iludir achando que não contribuiu em nada para sua própria infelicidade. Penso que precisamos de examinar cuidadosamente o passado, para descobrir todos os sinais que previram a catástrofe e que vocês ignoraram. Porque se você tivesse prestado a devida atenção a eles, tudo teria terminado com um divórcio honroso e sem consequências trágicas. Eu sugeriria começar com o momento em que você conheceu o Sr. Theodopoulos…

- Eu estava numa festa da família Kennedy. Muita gente, apertado... me senti meio sem jeito, porque estava começando na sociedade...

Quando finalmente terminei a sessão e a paciente decidiu ir embora, ela me disse:

– Doutor, vá às corridas no sábado. Aposte no Trotter-Blue.

Então ele desapareceu, atravessando a parede. Dona Theodopoulos pagava suas consultas com informações, pois, não sendo material, não podia carregar nada. Mas ainda assim foi bom, ganhei muito com ela.

Já eram seis da manhã, lá fora a madrugada anunciava o dia que estava com dificuldades para chegar, então não tinha mais clientes agendados. Mas só para ter certeza, abri a porta da sala de espera. Para minha surpresa, no banco estava um homem de cerca de cinquenta anos, careca e bigode. Olhei para ele surpreso e o convidei para entrar.

- Senhor?

– Emílio Martinez.

– E que problemas o senhor tem, senhor Martinez?

– Doutor, sou vigia noturno na loja lá embaixo. Um bom trabalho, bem remunerado, sem grandes problemas. Mas depois de um tempo comecei a ter alucinações. A noite toda vejo vampiros, lobisomens, fantasmas, todo tipo de monstros entrando no prédio. Achei que deveria me tratar.

– Muito bem, Sr. Martinez. Você veio exatamente ao lugar certo. Deite-se no sofá. Vamos começar encontrando algum acontecimento em sua infância que possa justificar tais visões. Então, qual é a sua memória mais antiga?

Na sombra do homem...

Quem está nas sombras? Se definirmos corretamente a resposta a esta questão aparentemente sem importância, poderemos descobrir qual é o destino do homem.

Para ser claro, vamos primeiro determinar a resposta considerando apenas os humanos. Nas sombras estão duas categorias: aqueles que, por natureza, são tímidos, vergonhosos, sem confiança nas próprias forças; e aqueles que, ambiciosos e traiçoeiros, escondem a sua própria natureza e valor, para agirem furtivamente, para surpreender os outros e acertá-los pelas costas.

Em nenhum caso se trata de fraqueza ou incompetência. A sabedoria popular afirma claramente: O tolo, se não é tolo, não é tolo o suficiente; e A cobra sai na estrada, apontando que determinadas categorias tentam se destacar, mesmo que careçam de qualidades intelectuais e morais. As categorias que ficam nas sombras não se escondem por fraqueza ou medo. Os primeiros cristãos não se esconderam nas catacumbas por medo das autoridades, a sede de martírio teria antes levado-os a afirmar publicamente o seu credo. Pelo contrário, escondiam-se de uma decência que não convinha à época, da convicção de que não se pode fazer um circo da fé. Caso contrário, todos os grandes mestres religiosos - Moisés, Jesus, Maomé, Buda - não se intimidaram, pregaram abertamente a sua doutrina, enfrentando faraós e imperadores, até mesmo os seus próprios compatriotas. Em vez disso, as obscuras heresias, sobre as quais ainda hoje não sabemos muito, foram ocultadas, quer pela crença de que as massas não as poderiam compreender, quer por saberem que chocariam demasiado fortemente os seus contemporâneos. As ordens secretas não queriam a luz do dia porque os objetivos perseguidos nada tinham de nobre (ou os meios utilizados nada tinham a ver com os alegados objetivos nobres), preferindo a sombra como esconderijo, como manto para as suas intrigas macabras.

Mas nas sombras também estiveram conselheiros de grandes estadistas, cientistas de grande valor ou criadores de beleza. Timidez, falta de confiança nas próprias forças, extrema modéstia ou desprezo pela má publicidade, com todos os seus sinos e assobios - estas são razões pelas quais pessoas de valor e moralidade óbvios preferiam papéis subordinados, queriam permanecer na sombra dos outros, mais adequados ou mais dotados para a vida pública.

Assim, podemos lembrar que, desde o início, aqueles destinados à sombra são de duas categorias: aqueles destinados permanentemente à sombra – timidez, desconfiança, etc. eles os manterão fora dos holofotes – e aqueles que temporariamente recuam para as sombras para criar melhor.

Esta segunda categoria está convencida de que recuar para as sombras é temporário, que depois de um tempo os objetivos serão alcançados e sairá na frente. A vontade de estar em primeiro plano é grande, às vezes os integrantes desta categoria não esperam mais pela vitória, realizam um feito retumbante, pensado para atrair a atenção do público. Assim, um movimento secreto faz reféns, ataca uma instituição pública ou uma emissora de televisão. Operações deste tipo são inúteis, os participantes terminam tragicamente, sem beneficiar da fama que desejam (talvez apenas post mortem), por isso sair das sombras leva à anulação da existência de qualquer espécie, a luz é demasiado forte, queima o criatura, transforma-o em cinzas.

Mas também há pessoas que se retiram voluntariamente, para sempre, para as sombras, recusando-se a sair para a luz, embora ninguém (excepto a sua própria consciência) os impeça de o fazer. Na história existem muitos casos de guardiões de segredos quase obscuros, o que levou à perpetuação de castas, guildas ou ordens, juntamente com os seus segredos. Esses guardiões – uma espécie de monges de confissões não religiosas – eram os detentores de grande poder e riqueza, que usavam para fins considerados por eles – e pela irmandade (de qualquer espécie) a que pertenciam – como corretas e inevitáveis.

Podemos generalizar o que foi dito acima para qualquer inteligência não humana, seja terrestre ou extraterrestre.

Existe a possibilidade de civilizações de nível superior ficarem de prontidão, estudando-nos das sombras, sem intervir no destino da nossa raça.

Existe a possibilidade de raças que, sentindo que não podem competir com a expansão humana, se escondam (no subsolo, debaixo d'água, em terrenos baldios, etc.) para sobreviver.

E existe também a possibilidade de que representantes de raças inteligentes se escondam mesmo entre nós, evitando revelar as suas capacidades intelectuais, para não chamarem sobre si a atenção que poderia rapidamente se transformar em suspeita, que rapidamente evoluiria para inimizade.

As lendas do povo mencionam gnomos, duendes, vampiros, duendes e outras criaturas com qualidades mais ou menos sobre-humanas, que levam sua existência à margem da sociedade humana, raramente saindo, sendo encontrados por membros de nossa raça apenas por acidente. A atitude de uns é benevolente, de outros é obviamente hostil, mas independentemente do seu modo de agir, do objetivo perseguido, permanecem escondidos, evitando chamar a atenção. Isto não significa que não haja possibilidade de um ataque surpresa que altere o equilíbrio actual.

Mas além dessas criaturas humanóides, tanto na aparência quanto na mentalidade, pode haver seres que nada têm em comum com o homem, seja no caráter da inteligência ou na aparência.

Muito se tem discutido sobre a raça do futuro, aquela que poderá destronar o homem. Se golfinhos, cães, cavalos, porcos, gatos, ratos, macacos, são, no entanto, mamíferos - o que implica que a sua inteligência não será, em princípio, muito diferente da nossa, o mesmo não se pode dizer, por exemplo, dos insectos.

As abelhas e as formigas possuem uma organização aparentemente social baseada em uma forte especialização dos indivíduos. Se derem o salto para uma inteligência superior – se é que ainda não o fizeram – essa inteligência não será muito semelhante à humana. Não do ponto de vista dos conceitos, mas do ponto de vista da lógica elementar. O pensamento humano é, por sua essência, individualista. A das colônias de insetos será coletiva e coletivista.

Suponha que abelhas, formigas, baratas, etc. eles deram esse salto. Como iremos reconhecê-lo? Como saberemos que esses seres são de inteligência superior?

A nossa distorção intelectual, que se baseia na ideia arrogante e egoísta do antropomorfismo e do antropocentrismo, faz-nos considerar as nossas próprias manifestações como sinais de civilização. Se não existe tecnologia humana, concluímos que não existe civilização.

Mas se estamos lidando com uma civilização que não se parece com a nossa?

Como poderíamos nos comunicar com criaturas que têm sentidos diferentes, que pensam de acordo com uma lógica diferente, que têm padrões sociais e morais diferentes (que podem não nos parecer assim)?

É, portanto, possível viver ao lado de civilizações de um tipo diferente da nossa, ignorando-as completamente, comportando-se - por ignorância, não por maldade ou medo - com uma crueldade que pode suscitar ressentimentos. Podemos fazer inimigos dos quais não suspeitamos. Por enquanto, a resposta deles é inconsequente, possivelmente irritante ou perturbadora, e não perigosa.

Mas e se as coisas evoluírem? E se esses inimigos que vivem nas nossas sombras descobrirem o segredo da nossa fraqueza e, quando menos esperarmos, atacarem impiedosamente, destronando-nos do nosso poleiro inconsciente?

É claro que também existe a possibilidade de que os nossos potenciais inimigos nos ignorem, tal como nós os ignoramos. A impossibilidade de comunicação também se aplica a eles. É muito possível que mesmo eles não reconheçam a nossa inteligência e civilização, considerem-nos algumas forças cegas da natureza, uma fatalidade da vida, uma fatalidade que não pode ser compreendida e que deve ser suportada. Porém, assim como o homem tenta afastar certas manifestações da natureza - que lhe parecem prejudiciais - e luta contra elas sem ódio e paixão, também pode ser que aqueles que estão em nossa sombra trabalhem para nos afastar, sem suspeitar da existência de sonhos e ideais. que direcionam nossa existência.

É portanto possível que tanto o homem como outras civilizações (terrestres, mas não humanas) se destruam, sem pensar por um momento na possibilidade de uma coexistência pacífica.

Mas enquanto a sociedade humana estiver numa luta contínua, enquanto os homens, individualmente ou em grupos, se esforçarem para se destruirem - embora haja todas as possibilidades de se compreenderem uns aos outros - como poderemos esperar viver com uma civilização cuja existência nada sabemos? que nos é estranho em sua estrutura?

Porque existe um paradoxo terrível: só podemos conviver com quem está no nosso nível. Portanto, não podemos nos dar bem nem com os que estão abaixo de nós nem com os que estão acima de nós. E é bem possível que uma civilização superior nos trate com a mesma compreensão que demonstramos às formigas, ou seja, nos liquide com um inseticida (humanicida seria um termo mais apropriado) sem remorso ou remorso.

E não merecemos o nosso destino?

Mas isso significaria que é a coisa certa a fazer?

Não, mas é da natureza das coisas...

SOMBRAS

Ele se considerava um bom pintor. No entanto, ele nunca se iludiu – sabia que não estava entre os melhores. Suas pinturas vendiam muito bem, mas ele descobriu que não tinha a capacidade de imprimir algo especial que emocionasse o observador.

Ele trabalhou diligentemente, por horas e dias após dias. Ele trabalhou duro até que até mesmo as linhas e sombras mais ocultas tiveram sucesso. Houve outros dias em que perambulou sem pressa por galerias e museus, olhando incansavelmente pinturas, algumas famosas, outras desconhecidas, procurando descobrir e compreender. No entanto, sempre se impressionou com a impossibilidade de incutir a centelha que daria vida ao que pintava.

Ainda olhando para suas telas, procurava caminhar por cais movimentados, passear por ruas estreitas ou entre árvores centenárias. Eles eram dele, mas ele sentia que não lhe pertenciam. Era mais difícil para ele lidar com as figuras descuidadas que não o deixavam penetrar em suas almas. No entanto, por passar tanto tempo com eles, achou cada vez mais difícil deixá-los. Ele adorava este universo – com o mar, os edifícios e cais lotados, as árvores velhas e imóveis. Ele queria fazer parte disso, mas estava sozinho naquele mundo silencioso de manchas coloridas.

Um dia, enquanto caminhava pelas ruas sinuosas em busca de figuras alegres ou preocupadas olhando através dele, percebeu que o mar era falso, e os prédios, e as árvores também. Começou a chover; o horizonte escureceu, as cores se misturaram para formar cinzas frios. Ele passou as mãos pelos cabelos molhados e descobriu o loiro grisalho. Ele os mergulhou na água do mar e os dedos ficaram azuis. Ele queria fugir, mas não conseguiu. Envelhecido repentinamente, ele partiu por um emaranhado de linhas, luzes e sombras.

Autor

  • Liviu Radu nasceu em Bucareste, em 20 de novembro de 1948. Estreou-se literária na revista Quasar, em 1992, com o conto A Face Invisível do Planeta Marte. Colaborou com publicações como: String, Jurnalul SF, Anticipația, Nautilus, Art Panorama, Lumi Virtuale, fiction.ro, Almanah Anticipația. Por seu trabalho, foi premiado com diversos prêmios, incluindo o Prêmio Vladimir Colin — 2014, o Prêmio Galileu por toda a obra — 2012, o Grande Prêmio dos Idosos da Imaginação pelo Questionário para Senhoras que Foram Secretárias de Pessoas Muito Decentes. Homens — 2011. Escreveu e publicou mais de 20 volumes, incluindo: Waldemar 1 (Tritonic, 2007), Taravik 1: Armata molilior (Nemira, 2012), Golem, Golem (Nemira, 2014).

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